(Concurso – 2º lugar)
Desenhar um museu é sempre um grande desafio. Nos dias de hoje os museus representam um dos mais importantes elos de ligação entre o conhecimento e a cultura, a diversão e a aprendizagem. Possuem inumeráveis possibilidades de interpretações metafóricas e conceituais. O edifício proposto pode ser considerado, de acordo com Pallasmaa[1], um museu “do tempo e do silêncio”, capaz de materializar e tornar visível “a passagem do tempo”, além de “conter e projetar as memórias”. Neste sentido, nos incentiva e anima, simultaneamente, a imaginar e recordar, pois a memória estimula a imaginação e vice-versa.
- Entre o edifício e a cidade
O projeto procura atender às especificidades do lugar. A observação atenta do sítio induziu à criação de dois eixos de conexão do edifício com a cidade: um de ordem física e outro de ordem imaterial.
PRAÇA DE ACOLHIMENTO E MIRANTE
O primeiro eixo conforma um pátio central que funciona como uma praça de acolhimento e convívio, uma extensão quase natural da Praça Dr. João Pinheiro. É o lugar dos encontros, dos fluxos e acontecimentos, das perspectivas e surpresas visuais. Devido ao ajuste na topografia, está ligeiramente rebaixado próximo à divisa com o edifício da Polícia Militar, onde o acesso acontece por meio de escadaria, mas, também, está ligeiramente acima da esquina com a Travessa Fonte do Vigário, e o acesso acontece através de uma rampa suave. Foi a melhor solução encontrada no sentido de acentuar as rotas dos pedestres ao longo da Rua Presidente Getúlio Vargas e criar um lugar significativo, aberto, de apropriação coletiva, no qual os limites entre o público e o privado procuram desvanecer-se. Constitui-se como um espaço capaz de estruturar o programa e surpreender quem dele se aproxima, vindo da rua, e é incapaz de percebê-lo no desenho da cidade. Nessa perspectiva, o pátio central determina o partido e configura o Museu, ao construir uma trama delicada e sutil de relações, capazes de estabelecer vínculos, não apenas com a história, mas, também, com todo o legado e significado que possui a Guerra dos Emboabas no contexto da cidade.
O segundo eixo não é óbvio. Trata-se de uma conexão imaterial e conceitual, já que o Museu, pelo seu próprio caráter, deve ser o edifício capaz de articular sua vizinhança, especialmente as diferentes temporalidades, memórias e arquiteturas ao longo da Rua Presidente Getúlio Vargas. Na cobertura, dois mirantes foram criados com esse objetivo. O primeiro, estabelece o vínculo entre o Museu, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso e a Praça Dr. João Pinheiro. O segundo, reforça a conexão entre o Museu e a Serra da Piedade, construindo um eixo visual e simbólico importante.
O MUSEU
Se os museus do passado podiam ser definidos como caixas pesadas e robustas, talvez no intuito de transmitir a solidez dos seus acervos, nossa proposta dialoga com espaços mais flexíveis e interativos. O Museu acontece em torno do vazio que projeta a praça de convívio. Seu desenho procura traduzir o edital do concurso, promovendo espaços adequados às diferentes exposições propostas, com possibilidades de deslocamentos e experiências diversas, parcialmente reveladas pelas aberturas desiguais que constroem cenários e perspectivas ao longo do percurso em torno do vazio do pátio central. Seu desenho também favorece outros usos que estimulam o convívio, como o café e uma pequena loja na praça de acolhimento, próximos à entrada, além de um auditório para 50 pessoas na cota mais baixa do terreno, conectado à recepção através de uma arquibancada. Auditório, café, e loja possuem acessos autônomos, permitindo seus usos em horários variados, independentes do horário de funcionamento do Museu.
- As partes e o todo
O projeto foi pensado a partir da articulação entre as partes e o todo. Sua estrutura formal priorizou o rigor e a essencialidade das formas mais elementares. O projeto é definido por uma caixa branca e abstrata suspensa sobre um espelho d’água e uma base de concreto aparente. A intenção foi gerar contrastes e densidades, num diálogo entre opacidade e transparência, interior e exterior, luz e sombra.
A caixa branca abriga as diferentes exposições em dois níveis e a base de concreto aparente, também em dois níveis, contém a parte mais pública do programa. A caixa e a base evocam diferentes temporalidades, memórias e materialidades distintas, além de referências não muito óbvias à arquitetura colonial de influência portuguesa. A base de concreto aparente se abre para a rua através do pátio central e da conexão visual com a Matriz Nossa Senhora do Bom Sucesso. A caixa branca se volta para dentro construindo um certo tipo de espacialidade direcionada às suas próprias intenções e narrativas, ao seu próprio universo particular.
A estrutura formal deriva de uma alternância de cheios e vazios e da intencional disposição de algumas poucas aberturas de tamanhos diferentes de maneira quase aleatória. Essas aberturas permitem múltiplos olhares, diferentes perspectivas e enquadramentos, do interior para o exterior e também de fora para dentro. Dessa forma o Museu dos Emboabas pretende se opor à generalidade, procurando demonstrar, pelo conjunto dos elementos que o compõe, as dinâmicas da vida contemporânea, onde o “todo é maior que a soma das partes”. Nesse caso, a articulação entre o todo e as partes pode ser entendida como uma metáfora das cidades nos dias de hoje.
- Aspectos construtivos
Todos os aspectos construtivos do edifício foram pensados a partir de um conceito de racionalidade e economia. Optou-se pelo emprego de estrutura de concreto armado. Na caixa branca, que abriga as diversas exposições, será utilizado um sistema de lajes nervuradas de concreto protendido, possibilitando os grandes vãos e os balanços propostos, além de garantir espaço para as instalações entre a laje e o forro, sendo que essas lajes serão apoiadas em dois pilares na face sul e pela caixa de circulação vertical na face norte. As paredes da caixa branca terão um sistema composto por revestimento externo em placas cimentícias, recheio termoacústico e revestimento interno em gesso acartonado. A base do edifício será construída em concreto aparente ripado (paredes) e laje de concreto aparente. Na cobertura da base, um espelho d’água reforça a transição entre volumes, programas e materialidades.
[1] PALLASMAA, Juhani. Espaço, lugar, memória e imaginação. In: Essências. São Paulo: Gustavo Gili, 2018. p. 15-16.